sábado, 31 de março de 2018

a vida era assim e mais nada... Marrocos



A vida era assim e mais nada, crescíamos com a obrigação de torná-la dificil aos outros, antes que os outros a tornassem dificil a nós.

Elena Ferrante in "A Amiga Genial"

sexta-feira, 30 de março de 2018

na velha Deli, a caminho da escola.


Escola

O que significa o rio, 
a pedra, os lábios da terra 
que murmuram, de manhã, 
o acordar da respiração? 

O que significa a medida 
das margens, a cor que 
desaparece das folhas no 
lodo de um charco? 

O dourado dos ramos na 
estação seca, as gotas 
de água na ponta dos 
cabelos, os muros de hera? 

A linha envolve os objectos 
com a nitidez abstracta 
dos dedos; traça o sentido 
que a memória não guardou; 

e um fio de versos e verbos 
canta, no fundo do pátio, 
no coro de arbustos que 
o vento confunde com crianças. 

A chave das coisas está 
no equívoco da idade, 
na sombria abóbada dos meses, 
no rosto cego das nuvens. 

Nuno Júdice, in "Meditação sobre Ruínas"

pobre velha música. Marraquexe, Marrocos



Pobre Velha Música!

Pobre velha música! 
Não sei por que agrado, 
Enche-se de lágrimas 
Meu olhar parado. 

Recordo outro ouvir-te, 
Não sei se te ouvi 
Nessa minha infância 
Que me lembra em ti. 

Com que ânsia tão raiva 
Quero aquele outrora! 
E eu era feliz? Não sei: 
Fui-o outrora agora. 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro" 

terça-feira, 13 de março de 2018

os indignados, Porto


Já reparou que o príncipio básico, modular, da sociedade não é a democracia nem o comunismo nem o capitalismo é a pulhice? Com uma grande quantidade dela, consegue-se uma nação abastada, obesa, a cheirar a courato, uma nação que não consegue baixar-se por causa das banhas nas articulações, é a sedentarização, e de lá de cima, essa sociedade, saciada com a carne dos pobres, escarra o muco esverdeado em cima dos próprios pés, e o povo acorre para lamber aquilo de joelhos, a adorar o deus de ouro e de sebo.

Afonso Cruz, Nem Todas as Baleias Voam

a melhor oração, Luang Prabang, Laos


A melhor oração é a paciência.

Buda

pescadores, canal de Moçambique, Madagáscar


(...) quanto mais te couber nas ideias mais fortuna te guardará o destino.

Valter Hugo Mãe in "Homens Imprudentemente Poéticos"

segunda-feira, 12 de março de 2018

Daisy, ilha do Sal, Cabo Verde


Daisy

The dayseye hugging the earth 
in August, ha! Spring is 
gone down in purple, 
weeds stand high in the corn, 
the rainbeaten furrow 
is clotted with sorrel 
and crabgrass, the 
branch is black under 
the heavy mass of the leaves-- 
The sun is upon a 
slender green stem 
ribbed lengthwise. 
He lies on his back-- 
it is a woman also-- 
he regards his former 
majesty and 
round the yellow center, 
split and creviced and done into 
minute flowerheads, he sends out 
his twenty rays-- a little 
and the wind is among them 
to grow cool there! 

One turns the thing over 
in his hand and looks 
at it from the rear: brownedged, 
green and pointed scales 
armor his yellow. 

But turn and turn, 
the crisp petals remain 
brief, translucent, greenfastened, 
barely touching at the edges: 
blades of limpid seashell. 

William Carlos Williams

"Professional Batman VIP", Siem Reap, Cambodja



A realidade tem rodas quadradas. Foi o sonho, a ficção, o ideal, que as fizeram redondas.

Afonso Cruz in "Jalan Jalan uma leitura do mundo"




domingo, 11 de março de 2018

em busca do castelo português, lago Tana, Etiópia


Criatividade é apontar para o alvo e acertar no centro de outro alvo qualquer.

Afonso Cruz in "Jalan Jalan uma leitura do mundo"

sábado, 10 de março de 2018

vendedor de tapetes, mercado de Minab, Irão


(...) quando a mensagem prolifera, tem o poder da verdade absoluta, ritual, religiosa: temos de apertar o cinto, temos de comer bróculos, temos de meditar e correr e comer sementes de linhaça e ser felizes todos os segundos das nossas vidas e abominar o glúten e a lactose enquanto repetimos mantras comprados em grandes superficies. Temos de denunciar árabes ao pequeno-almoço, temos de controlar o défice, e, claro, não podemos voltar a casa sem ter atraído investimento estrangeiro numa esquina qualquer.

Afonso Cruz in "Jalan Jalan uma leitura do mundo"

olhos no futuro, velha Delhi, Índia


Olhos no futuro... Afinal a Índia é uma economia emergente!

sexta-feira, 9 de março de 2018

falcoeiro, viagem medieval de Santa Maria da Feira


Croyez-vous, dit Candide, que les hommes se soient toujours mutuellement massacrés comme ils font aujourd’hui ? qu’ils aient toujours été menteurs, fourbes, perfides, ingrats, brigands, faibles, volages, lâches, envieux, gourmands, ivrognes, avares, ambitieux, sanguinaires, calomniateurs, débauchés, fanatiques, hypocrites, et sots ? — Croyez-vous, dit Martin, que les éperviers aient toujours mangé des pigeons quand ils en ont trouvé ? — Oui, sans doute, dit Candide. — Eh bien ! dit Martin, si les éperviers ont toujours eu le même caractère, pourquoi voulez-vous que les hommes aient changé le leur?

Voltaire, "Candide"

"Puja", Varanasi, Índia


Varanasi, à noite, nas margens do rio Ganges, durante a "Puja" uma cerimónia diária (365 dias no ano), de louvor aos deuses e para agradar aos turistas...

menina e moça, Lalibela, Etiópia



Menino e Moço

Tombou da haste a flor da minha infancia alada, 
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim: 
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada, 
Que d'antes estendia as azas sobre mim. 

Julguei que fosse eterna a luz d'essa alvorada, 
E que era sempre dia, e nunca tinha fim 
Essa vizão de luar que vivia encantada, 
N'um castello de prata embutido a marfim! 

Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia, 
Que me enchiam de lua o coração, outrora, 
Partiram e no céu evolam-se, a distancia! 

Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais: 
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora; 
Ellas, porém, Senhor! ellas não voltam mais... 

António Nobre, in 'Só'

poema cabisbaixo, Madagáscar


Poema Cabisbaixo

As pessoas que andam de cabeça baixa
procuram poemas que caíram dos casulos

Lusca LLS

terça-feira, 6 de março de 2018

no mercado de Minab, Irão


One Art

The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


Elizabeth Bishop, “One Art” from The Complete Poems 1926-1979