terça-feira, 21 de novembro de 2017

Pela estrada fora, Madagáscar

Poema da Terra Adubada

Por detrás das árvores não se escondem faunos, não. 
Por detrás das árvores escondem-se os soldados 
com granadas de mão. 

As árvores são belas com os troncos dourados. 
São boas e largas para esconder soldados. 

Não é o vento que rumoreja nas folhas, 
não é o vento, não. 
São os corpos dos soldados rastejando no chão. 

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes. 
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes. 

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não. 
É o sangue dos soldados que está vertido no chão. 

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar. 
São os silvos das balas cortando a espessura do ar. 

Depois os lavradores 
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados, 
e a terra dará vinho e pão e flores 
adubada com os corpos dos soldados. 

António Gedeão, in 'Linhas de Força' 

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